Mas nem sempre é assim.
Há um tipo de inflamação que se desenvolve, lenta e insidiosamente, sem se fazer notar, sem dor, sem calor, sem rubor e sem edema visível.
Tal como uma braseira é um fogo sem chama e cujo calor é menos intenso que o da fogueira, não deixa de ser fogo e de consumir a mesma lenha. O que as diferencia é a intensidade da combustão.
Assim é a inflamação silenciosa!
Todas as doenças crónicas degenerativas – cardiovasculares, neurológicas, osteoarticulares – começam e desenvolvem-se com um processo inflamatório que não se sente mas vai lavrando lentamente, sorrateiramente, durante décadas, alterando progressivamente as estruturas dos tecidos e diminuindo a sua capacidade funcional.
A hipertensão e a aterosclerose têm subjacente uma inflamação do endotélio, a parede de revestimento interno das artérias.
A doença de Parkinson e as demências, com relevo para a doença de Alzheimer, começam num processo inflamatório das células cerebrais.
As artroses, e o desgaste da cartilagem que as caracteriza, desenvolvem-se a partir de pequenos focos de inflamação nas articulações.
A generalidade dos processos de envelhecimento enraízam em inflamação silenciosa.
Tal como uma ferida na pele, após a inflamação aguda que a ajudou a recuperar pode mostrar uma cicatriz, quer dizer, uma alteração da estrutura e da capacidade de funcionamento com menor flexibilidade, alguma retração e fibrose dessa mesma pele, também a inflamação silenciosa vai deixando um rasto de alteração nos tecidos dos órgãos onde se desenvolve comprometendo progressivamente a sua funcionalidade.
Como começa a inflamação silenciosa?
Mas, sendo a inflamação um processo de auto-defesa e proteção, porque se desencadeiam estes processos de inflamação que não só atentam contra a qualidade de vida, como colocam a vida em perigo?
A resposta a esta pergunta ainda não é completamente conhecida pela ciência, mas são conhecidos alguns fatores que desencadeiam uma resposta inflamatória por parte das células e tecidos orgânicos.
Uma característica comum é que haja agressão da célula, sob o ponto de vista químico, físico ou biológico.
Vejamos apenas alguns exemplos:
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O stress oxidativo, quer dizer a produção de radicais livres de oxigénio sem a devida compensação antioxidante, é lesivo das células, especialmente as cerebrais e do sistema cardiovascular;
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A hipertensão arterial, que podendo ser consequente à inflamação do endotélio se torna em mais um potente fator agressivo e lesivo das artérias, agravando a inflamação do próprio endotélio;
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A ingestão ou inalação de químicos agressivos para as células cerebrais. São exemplo o consumo excessivo de álcool, o tabaco, drogas psicoativas, alguns fármacos, corantes e conservantes alimentares, fumos e outros poluentes ambientais, tóxicos, metais pesados como o mercúrio, chumbo e alumínio;
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A absorção de partículas de microrganismos da flora intestinal através da mucosa intestinal inflamada ou com hiperpermeabilidade que venham a ser sinalizadas pelo sistema imunitário como estranha ao organismo. Este processo vai desenvolver uma inflamação que pode ser silenciosa nos órgãos para os quais estas partículas venham a ter tropismo.
Esta é uma hipótese levantada por alguns investigadores entre os quais Luc Montagnier, MD, prémio Nobel de Medicina para explicar a etiologia do processo inflamatório cerebral observado nas demências;
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O ruído muito intenso e repetido agride as estruturas do ouvido médio que responde com inflamação que vem a ser a causa remota de perda progressiva de capacidade auditiva por fibrose dessas estruturas.
Depois de desencadeada, o desenvolvimento da inflamação silenciosa depende de algumas circunstâncias pessoais e será mais intensa se estas “soprarem ventos favoráveis”.
Favorecem a inflamação silenciosa:
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Uma alimentação pro-inflamatória, caracterizada pela quantidade excessiva e desequilibrada de lípidos pró-inflamatórios: gorduras de carnes, gorduras de leites e derivados, óleos e margarinas produzidos a partir de milho, girassol e soja, a par da deficiência em lípidos anti-inflamatórios, que são os Ómega 3;
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Uma vida com ansiedade e stress contínuo, sem intervalos adequados de paragem e descanso;
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Sono insuficiente ou com deficiente qualidade;
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Presença de obesidade abdominal, que por si mesma é produtora de substâncias químicas promotoras de inflamação silenciosa.
A inflamação silenciosa é uma combustão lenta que vai alterando o nosso organismo durante duas ou três décadas, até serem visíveis as suas consequências na perda de funcionalidade de órgãos ou pelo diagnóstico de doenças degenerativas.
Se não nos é possível conhecer e eliminar a maior parte dos fatores desencadeantes está ao nosso alcance limitar as circunstâncias que a favorecem.
Podemos assim retardar muito ou quase eliminar os seus efeitos nefastos.